terça-feira, 6 de março de 2007

Odalice

“Bom dia!”, disse o passarinho, quando passou em seu gracioso vôo matinal, com sua voz entoada em notas harmônicas. “Está mesmo um belo dia!”, respondeu a linda boneca de cabelos vermelhos, em seu vestido bordado. Ela estava tão bela quanto aquela manhã ensolarada de primavera. “Olá, linda Odalice! Como está bonita!”, todos comentavam. A boneca de pano se sentia feliz e viva, como não se sentira jamais. Tinha vontade de cantar; cantava. Eram músicas alegres e sua voz tão doce convidou o pássaro a cantar junto. Era um dueto bonito de se ouvir. As flores, todas invejosas da beleza de Odalice, esqueciam e ficavam a se deliciar com a cantoria. Os outros pássaros paravam de cantar em respeito e admiração. A boneca sorria seu sorriso pintado e suas tranças de lã vermelha desmanchavam-se com os pulos e piruetas que dava.

Não era essa a história que eu ia contar. Não ia falar de um dia bonito, de uma boneca bonita, de um jardim bonito ou de flores invejosas. Eu tinha outras tantas e mais idéias de histórias para contar, histórias interessantes e envolventes. Entretanto, quando me sentei ao lado da Odalice, minha boneca de pano, na minha cama, para começar a escrever, eu me perguntei como seria ser uma boneca de pano. Passar os dias sentada, comportadamente, na minha cama, esperando que a noite chegasse para que pudesse deitar ao meu lado e dormir de olhos abertos. Fiquei observando-a por algum tempo e reparei que seus olhos foram pintados direcionados para a esquerda. O que haveria de tão interessante à esquerda de Odalice? Ironicamente, a sua esquerda há uma janela grande de madeira que passa o dia aberta. Minha boneca passa seus dias sonhando em passar por aquela janela e conhecer o mundo lá fora. Ir cantar com os pássaros e sujar seu lindo vestidinho laranja na areia. Sorrir de verdade. Sorrir seu sorriso pintado.

Pensei ainda se ela gostaria mesmo de estar olhando para a esquerda. Se ela gostaria mesmo de estar sorrindo todos os dias e as noites. Se ela não preferiria uma calça jeans e uma camiseta de malha àquele vestidinho bordado, um par de tênis e um rabo de cavalo. Quem sabe cabelos castanhos e curtos e uma tatuagem no pescoço. Brincos, talvez. Ou nada disso. Quem sabe ela nem se importasse com a aparência ou com a janela ou com o seu sorriso constante. Quem sabe ela já estivesse acostumada a viver da forma que a moldaram. Ela foi feita sob encomenda. Quem sabe ela já não estivesse acostumada, acomodada, a viver da forma que a encomendaram que vivesse.

Começo a ter pena de Odalice. Começo a me sentir culpada por impor a minha boneca um cabelo vermelho, um vestido laranja, um chapéu de pano, um sorriso pintado e um olhar à janela. Começo a me sentir culpada por ainda impor a minha Odalice a qualidade de minha propriedade. Começo a me questionar se eu não estaria impondo mesmo as dúvidas à Odalice, sobre o que gosta e o que não gosta. Entretanto ela permanece sem me olhar – ela apenas admira a janela. Ela permanece sorrindo e parece bem assim. Parece bem. Talvez nem seja tão ruim ser uma boneca de sorriso pintado.

5 comentários:

Anônimo disse...

Talvez todos nós sejamos bonecos de panos sabe... Existe sempre alguém nos impondo algo, existe sempre alguém nos mandando sorrir ou mandando que fiquemos calados... Ou mesmo coordenando nosso modo de vestir ou nosso modo de falar... Existe sempre alguém que não se importa com o que queremos, sentimos ou mesmo vemos... Nunca somos importantes de mais para sermos levados à sério. E ficamos ali, olhando para a janela, querendo sentir o vento no rosto, querendo ficar sujos de areia ou mesmo querendo fazer uma tatuagem e deixar nossos cabelos rebeldes... Há sempre alguém que está ditando as regars, sempre alguém que faz das nossas vidas algo talhado e emoldurado com grandes barras de ferro... E nós temos conciência disso... Pois é... Talvez não seja assim tão ruim ser uma boneca de pano!

David Herculano disse...

Wahhh

Olha só! Seguiu meu conselho e postou! =)))))

Adorei ese texto ó! =D

Melhor parte:
"Começo a me questionar se eu não estaria impondo mesmo as dúvidas à Odalice, sobre o que gosta e o que não gosta."

;****

Anônimo disse...

Que locu!
Mina, ce tem uma idéias bem viaginosas... XD
Tá estudando demais... daqui a poucu fica doida.
Bom, uma pouco mais doida. =P
Gostei muito do texto.
Bjão!
=****

ouviuasparedes disse...

Hummm

o que posso dizer ?
Não se sinta culpada , Dona Rebeka
a gente é o que é !

Sua boneca está feliz por ser uma boneca. Como eu sei disso? Pelo seu sorrisso no rosto !

Bem ,eu sei o que a senhora pode fazer pra deixar sua boneca mais feliz ainda ! Coloque-a a sua direita então ela ficará olhando pra vc todas as noites! XD~



ps: Gostei do texto.Alguma influencia ?

Caio M. Ribeiro disse...

Ah, foi bonito: eu gostei. Tem motivo pra ser "Odalice"? O nome, não o título.

Histórico


as primeiras ideias...