domingo, 24 de agosto de 2014

Uma a uma

Uma a uma, as gotas caem e escorrem na rua
Uma a uma, respingam em meus cabelos
Uma a uma, escorrem em meus ombros
fracas
            leves
                      evaporáveis
Uma a uma, continuam, reticentes
Uma a uma, cutucam-me, insistentes
Uma a uma, molham-me, inconsequentes
teimosas
                 repetidas
                                  resignadas
Uma a uma, agrupam-se ligeiras
Uma a uma, tornam-se incontáveis
E, inúmeras, atingem-me o corpo
o pescoço
                  o colo
                              os laços
....................................................................................
Passo a passo, aproveito as primeiras gotas
Braço a braço, cubro o peito da chuva que se adensa
Mão a mão, limpo as gotas do meu rosto molhado
                                

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Da história e da narração - I

Cada vez mais me certifico de que as histórias em si, o seu teor narrativo, nada têm de interessante, porque são sempre platonismos - sempre ujm mundo criado, ideal em seus limites de felicidade e de drama, nunca real, e, bem enredados ou não, originais ou não, são apenas histórias, estórias, conversa fiada. Aquelas que trazem em si próprias os calos da verdade, talvez, possam ser categorizadas; correm, no entanto, o fatídico risco de serem ridículas, fantasiosas ou irreais demais, uma vez que o que é real é incrivelmente desconexo - ao menos superficialmente, já que somos tempero duma grossa sopa de ignorância.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

das podas e dos verbos

Está claro: o verbo dito é libertador e o não dito são saúvas na cerca viva sempre e todos os dias bem podada.

Salvador Dalí

Está claro: a poda, enquanto estratégia de cuidado, enquanto manutenção da saúde, está longe de ser saudável, podendo ser, quando muito - e, ainda assim, numa tentativa caridosa-quase-masoquista de se compreender o jardineiro (ou o chacareiro) - esteticamente necessária.

O galho liberto, a folha desenquadrada, o emaranhado, o excesso de desejo-vida-fruta-cor-flor, a desordem e o caos fecundos: está claro: não são apropriados para a estética-ética-sorridente de um jardim bem cuidado.

Está claro, ainda, que, liberta, com galhos e cores sobrando, viveria em natural simbiose com as saúvas e palmos de folhas não se fariam notar na cerca viva.

Está, então, muito mais claro que o verbo dito é a poda não feita. O verbo não dito são saúvas na cerca viva, abrindo caminho entre a liberdade para a possibilidade de se pronunciar; e abre palmos de buracos que jamais se fecharão em plano encontro com todo o resto da superfície podada.

Por isso, disse - já tinha alguns metros de buracos não recompostos.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

(sobre a morte)

[...] poderia ser afinal uma fruta plenamente amadurecida que caía em tombo seco, a própria dor de desvincular-se da vida abafada pelas folhas há muito mortas (o ciclo consolando-se). [...]

Morte de Casagemas (1901) - Pablo Picasso

domingo, 4 de novembro de 2012

Lascas

Marc Chagall
Ser apenas frações de vontade e vontade de ser unidade já não me inteiriça mais. Agora é minha totalidade fracionada que, em lascas, me machuca e fragmenta mais a cada novo dia. Não sou ser completo, nem pedaços do que poderia ser. Sou o que foi um dia o tudo e hoje, em estilhaços e cacos e pó, não se emenda jamais. Por mais que tente.

domingo, 23 de setembro de 2012

da efemeridade dos fatos

É mais ou menos naquele momento em que a memória se perde em si mesma e passamos a lembrar não do que existiu, mas do que fomos durante uma existência, que as verdades nos parecem mais pungentes e mais irreais.

chagall

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Cante para mim

Klint

[...]

A luz que entrava na sala era essa que invade as frestas com uma suave sensação de frescor, de sono satisfeito, embora ainda dengoso. Clara. Invasiva. Ainda que discreta. Em tudo havia um pouco de Amália. Em tudo havia Amália. No sussurro da manhã e na luz que acordava os cantos orvalhados do jardim, este, também, repleto dela.

... e, num suspiro, desejou o mundo todo além da sala: a vida inteira se derramando cristalina pela grama... os insetos nos canteiros... e o trinado distante dos pássaros nas copas dos pés-de-jambo. A poesia da manhã que começava a desvendar-lhe os ouvidos descrentes... sentiu falta da música.

- ...não me sinto vivo. Aí gemo.

Foi o que respondeu à mulher, naquela manhã.

Ela, num deslize, deixou que um olhar o questionasse o beijo apenas de leve correspondido. E tocava-lhe o corpo, penteava-lhe os cabelos, abraçava-o, beijava-o a pele limpa.

- Sinta.

[...]

terça-feira, 3 de julho de 2012



Ainda que isso te fira,

                         Serei grito

Ainda que isso te mate,

                         Serei gozo

que, contido, me negaste

e, ferido, escondestes nos teus sonhos perfeitos de amor.

Ainda que isso te enerve,

                         Serei asa

Ainda que isso te adoeça,

                         Serei aroma

de café, de madeira, de terra, de mar.

E, digo, ainda, que, ainda ainda que para sempre deixes tua existência,

                         Serei existente

                                   latente

                                   independente

Ainda que isso te cale,

                         Serei desejo

...

Ainda que isso te irrite,

                         Serei vento

As palpitações me pertencem,

                         ainda que isso te anule.

domingo, 20 de maio de 2012

1.


De manhã cedo, deitado no sofá - pernas entrecruzadas alongando o corpo, mãos perdidas no espaço, esquecidas, paradas, vivas - olhava sem ânsia os móveis da sala, invadidos de luz e sombra de maneira calma e incontida, como estivesse aos poucos nascendo - a luz vindo à luz. Enquanto a mulher limpava ligeira o quarto, imaginando o quão desconfortável poderia estar ele, largado no sofá, por mais almofadas que lhe estivessem disponíveis. Enquanto a cadela, com a cabeça apoiada em seus chinelos, respirava suavemente o amadurecer da manhã. Enquanto a empregada cuidava nas panelas do almoço, largando pela casa toda o vapor gorduroso do cozido. Enfim, enquanto a vida inteira acontecia finalmente silenciosa, ele observava a sala.

de Cante para mim, enquanto fecundação em pleno orgasmo.

sábado, 12 de maio de 2012

de Retalhos


Olá!
Aqui está um pouco do de Retalhos para que vocês possam conhecê-lo. Para quem se interessar em adquiri-lo (espero que todos! rsrs), é facinho, é só dar um pulinho no site da Saraiva ou da Paco Editorial, nesses dois links:



Boa leitura!!




 





Agradecimentos especiais ao Nathan da Revista Pechisbeque, que conseguiu transformar meu singelo arquivo pdf nesse e-book!

Autores & Ideias destaca a Revista Literária Pechisbeque


Neste sábado (12/05), o programa Autores & Ideias, da FM Assembleia (96,7MHz), recebe os editores da Revista Literária Pechisbeque, Edilson Pereira; Madjer de Souza Pontes e Nathan Mattos. A publicação é fruto de um trabalho experimental que nasceu no curso de Letras da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Revista Pechisbeque #02

Congregar artistas e suas múltiplas linguagens em um espaço de profícuo diálogo e desconstrução de ideias é o objetivo da revista, segundo informam seus idealizadores. Na sua segunda edição, a Pechisbeque reúne crítica cinematográfica sobre o diretor italiano Michelangelo Antonioni, além de prosa e poesia de autores já conhecidos da literatura brasileira e também de representantes da atual geração da literatura cearense. Quem assina a ilustração da capa é a artista plástica Lúcia Teles.
Lilian Martins - entrevistadora
O programa Autores & Ideias é produzido e apresentado por Lílian Martins e vai ao ar todos os sábados, às 15h, com reprise às terças-feiras, às 20h, na Rádio FM Assembleia (96,7MHz).
*retirado da fonte: http://tinyurl.com/6wrlrto
Postado por Revista Pechisbeque às 5/11/2012 05:21:00 PM

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