quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Marcelo Peloggio fala sobre Rebeca Xavier em lançamento do livro "de Retalhos"




O espirrar nietzschiano de Rebeca Xavier

A simples apresentação (como esta que aqui trazemos) de um trabalho literário inédito pode suscitar, muitas vezes, algo em conformidade com certos elogios de ocasião, ou a saudação bastante entusiasmada que fazemos em se tratando de enaltecer parentes, cônjuges, compadres políticos ou amigos de longa data que se lancem, com ou sem experiência, pelo terreno da literatura. Não é o caso aqui. 

Os textos reunidos neste livro valem pelo que apresentam de profundamente verdadeiro (digamos, no sentido do que foi vivido, observado, experimentado pela própria autora) a cada palavra emitida, na atmosfera assaz diversificada que vão criando a partir de texturas inesperadas, bem ao gosto de certo
impressionismo literário, ou do subjetivismo lírico tão comum em muitos de nossos jovens escritores da atualidade.

A autora em questão, Rebeca Xavier, não necessita, pois, para se firmar com reputação, do julgamento eufórico, típico de certo deslumbramento crítico, para o qual tudo é soberbo, magnífico em dada obra, e que a faz sem igual no universo da literatura. Basta, para isso, e tão-somente, a figura do leitor, e não o itinerário de especialista, que induz o juízo ao prescrever certas posições críticas.

Notará o leitor um jogo de inocência trágica, aqui e ali, o qual se pode perceber já na abertura com “O sorriso da moça”, que traz certo quê da fluidez textual clariceana. Mas, sem dúvida, o que mais chama atenção neste livro é o fato de haver, em boa parte do material aqui reunido, o desempenho algo perturbador da inquietude da vida, quer dizer, de uma tensão existencial em tudo que a narrativa muito habilmente registra no seres que acompanha; mas narrativa que, em contradição, a torna insólita, pois que dá a ela um forte destaque com o valor de coisa desprestigiada. Assim, “tudo o que ela escreve vira nada depois, de qualquer forma”, sentencia “Ela era ela, era elas”. Digamos que assim é em razão do fluxo narrativo por demais poderoso e intenso que há na escritura de Rebeca Xavier: os acontecimentos simplesmente atropelam-se em virtude das imagens que se justapõem até que sobressaia o desfecho sem qualquer estardalhaço, mas com a mesma inquietude paralisante em que teve início essa ou aquela história de vida, sem resolução aparente, apenas em devir; e não sem jogar com o lirismo das sensações visuais, dos aromas, da recordação das coisas de uso doméstico, e mesmo das mais insignificantes de nosso dia a dia. Prova disso são os retalhos intitulados “Memórias”, “Fetiche”, “Palacete”, “Da varanda”, “Terceiro segredo”.

Para compensar a quase imaterialidade desses quadros psíquicos, restará, sem mais, o ar às vezes jocoso, às vezes displicente, às vezes gaiato, que desponta em meio ao turbilhão de imagens e sensações densas. Coisa aparentemente ingênua, a exemplo da referência ao “sorvete”, que é de “gosto cansado e passado”, como acontece em “Ela era ela, era elas”; ou ainda o mesmo caso para a “pipoca” de “O sorriso de moça”; mas que culmina no clima memorialístico de o “Segredo”, com a seguinte tirada da autora, a saber: “Dava adeus ao platonismo e espirrava: Nietzsche!”. Isso diz tudo, a nosso ver, do trabalho revelador de Rebeca Xavier, e que o leitor tem agora em mãos. 

Boa leitura.

Prof. Marcelo Peloggio

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