quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Queda - por Fernando Cattony



Então o que seria dela se apenas caísse?Enquanto caminhava pela avenida movimentada, barulhenta, suja e atordoada, nem estava lá. Não percebia o ir e vir dos incansáveis e inumeráveis automóveis, o lixo nos canteiros, o mato alto a quase lhe roçar as canelas finas. Não estava lá. Olhava tudo com a imparcialidade de quem não dá importância aos tumultos, às buzinas, aos acidentes - e eram tantos àquela manhã! Desde que deixara o carro no congestionamento mais atrás, e, nele, seu esposo numa verborragia de maledicências e pragas, apenas andava na beira da avenida. Olhava para a favela logo abaixo e pensava o que aconteceria se apenas caísse.Não imaginava cair bolando areia e capim e espinhos por entre os barracos. Nem estava lá, não via a favela também. Imaginava cair. Em todos os sentidos morais, amorais e imorais dessa expressão. O que aconteceria? Seu amado esposo teria coragem de ir-se, esvair-se, morrer-se, como tanto ameaçara nas fracas crises do relacionamento? Isso a segurou firme nos paralelepípedos muitas vezes. Mas já não tinha certeza se dessa vez também. Talvez não. Postava-se sobre o meio-fio da avenida, o limite entre os carros e os barracos com seus traficantes e seus esgotos - não era assim tão diferente afinal. De braços abertos, fazia como o trapezista da noite anterior, que buscava um equilíbrio distante e inconcluso, mas o meio-fio não balançava no ar como a fina linha que não conseguia ver de tão longe que estava do circense. Seu chão era seguro, firme e exato como matemática, mas tênue e quase sumiço afinalando-se com a erosão dos bons modos. Afinalando-se tanto e tão rápido que já sentia doerem-lhe as palmas dos pés, laceradas pela navalha de pedra por onde caminhava.

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