sábado, 2 de fevereiro de 2008

Turista

Acredito que isso pode acontecer com qualquer um, quero dizer, eu seria um pouco louca se fosse a única. Quando aquele professor começava a falar, meu pensamento pegava carona na cauda do cometa do Balão Mágico e ia viajar por aí. Às vezes, penso que tenho o tal do DDA que passou no Fantástico. Eu não entendi direito o que era, mas parece que era falta de atenção... não sei. Não estou sendo hipocondríaca, como podem pensar. Às vezes, eu sou, mas não estou sendo dessa vez.

Não acontece só com o professor. Se alguém estiver falando comigo a mesma coisa, sem parar, eu me perco. Antes da metade do caminho eu “não estou mais nem aqui”. Talvez seja apenas falta de respeito, então eu tento me corrigir, pedindo que a pessoa repita tudo outra vez, mas isso nem sempre é bem recebido, na verdade, nunca é. Algumas das pessoas merecem explicação, outras nem tanto e não me dou ao trabalho.

Eu estou no mundo meio a passeio, entende? Não que não faça nada e não me interesse por nada, longe disso. Eu estou no mundo para observar e registrar, como fazem os turistas. Até tento manter a concentração por algum tempo em alguém que está mexendo boca e soltando algumas palavras quaisquer, mas começo a reparar que um de seus dentes é mais saltado que os outros e que, talvez, um desses “aparelhos de estrelinha” resolvessem o problema; meu irmão já usou esse tipo de aparelho só nos dentes de cima e, se não me falha a memória, já vi alguém com as tais estrelinhas em apenas dois dentes... como será que eu ficaria de aparelho nos dentes? Já usei uma vez, mas não foi “de estrelinha”.

É difícil não reparar, mais difícil ainda não pensar no que já fiz durante o dia ou no que eu ainda tenho que fazer. As palavras não me prendem muito se faladas, essa é a verdade. Nem as pessoas. Eu estava vendo umas fotos e percebi que em 50% delas eu estou flanando, não estou lá; das outras, 50% eu estou comendo e 50% estou fazendo caretas. Isso pode ser um problema, às vezes.

Já pensou se eu estou com meu marido, se um dia acontecer de eu casar, na lua-de-mel, nossa primeira noite de casados, tudo muito bem, tudo muito bom, ele comenta algo e eu nem “tchum”? Já consigo até imaginar. Que loucura. Se ele for igual a mim, não vai ser um problema. Com certeza começaremos no amor e terminaremos em alguma questão existencial do tipo: as formigas pulam ou não?

Pelo menos eu não estaria sozinha. Aliás, eu não estou sozinha, graças a Deus. Tem sempre aquela amiga, ou amigo, né. Não poderia ser diferente. Falamos 10 assuntos ao mesmo tempo e terminamos falando em pizza. Claro que ninguém consegue entender nossos diálogos, mas não tem importância. Acho que ela pegou “DDA” por osmose, e eu herdei da minha mãe. Imagine a seguinte situação:

Você, sentado, assistindo Pica-Pau e sua mãe aparece com a seguinte frase: “Tem gente que não tem savoir faire mesmo né. Assim, tem gente que parece que não percebe que...”, e ela vai falando e você fica meia hora para tentar entender do que é que ela está falando, até que descobre que ela vai começar a falar da vizinha que jogou a água da piscina na rua. Você, que é um bom filho, comenta por alto, até porque ainda está tentando assistir ao desenho animado. E ela, que é uma boa mãe, solta o seguinte: “Mas eu acho que o remédio não me fez bem.”

Entendeu? O que é que o remédio tem a ver com a água da piscina e porque toda aquela introdução quase filosófica? Essa é a minha mãe. Ela também é turista. Registra tudo, mas na hora de expressar se embanana toda. Bem, filha de turista, a passeio está.

Um comentário:

Caio M. Ribeiro disse...

Diz que chegaram pro Saramago, ou foi pro Borges:

- Você se considera um observador ou um ator?
- Oh, definitivamente, um observador.

Tudo a ver.

Histórico


as primeiras ideias...