sábado, 17 de março de 2007

O chofer.

- Está despedido! Deixe-me em casa e nunca mais apareça!

Foram tantas as críticas lançadas. Palavras que ele desconhecia completamente. Aquela tão distinta senhora negava-se inclusive a dar referências. Dizia ter sido humilhada. “Um ultraje!”, ela dizia. O que seria um ultraje? Ele nem se importava mais tanto. Já há alguns meses vinha agüentando muitos desaforos e palavras assim. Sequer continuava a prestar atenção no que a não tão distinta senhora falava, no banco de trás.

Pensava apenas em como seria. Sem emprego, sem ocupação. Poderia se divertir, dar atenção ao sobrinho a quem tinha como um filho. Poderia quem sabe conhecer a mulher que iria amar. Estaria desocupado para realizar parte dos seus sonhos. Poderia voltar a pintar e, talvez, ficar famoso; tinha mesmo alguns quadros muito bons, guardados no quartinho. Quem sabe, aprender inglês – sempre quisera aprender inglês, mas não tinha tempo para isso.

Enquanto pensava – sonhava –, a nada distinta senhora elevava a voz, no banco de trás. O linguajar já não tão rebuscado seria completamente entendido pelo motorista se este não estivesse já tão envolvido em seus próprios planos. A referida senhora falava agora em não pagar sequer o aviso prévio. “Nenhum juiz no mundo daria ganho de causa para você! Eu fui completamente humilhada, me senti uma bosta! Por um empregado! Humilhada por um empregado!”. Ele ouvia algo sobre escravos, lei aurora e troncos.

Imaginava a faculdade. Poderia concluir a faculdade de música que começara e largara para trabalhar. Ou poderia tentar artes plásticas, por que não? Não queria fama e fortuna, mas imaginava que seriam muito bem-vindas, se viessem. Sem perceber, estacionou o automóvel. Ficou imaginando que poderia trabalhar meio-período em alguma livraria. Lá teria acesso a livros de arte – os que ele possuía foram adquiridos em sebos, mas eram tão bons quanto.

Suas esperanças estavam tão cheias de promessas para o futuro. Repousou o quepe sobre o banco ao lado, afrouxou a gravata e retirou o paletó. A referida mulher, no banco de trás, vociferava qualquer coisa que não o atingia. Ele saiu do carro, com as chaves ainda na ignição, e foi caminhando pela avenida movimentada. O sol brilhava forte lá em cima e aqui em baixo. Suas economias resolveriam de início. Sua competência resolveria de meio e fim.

Lembrou-se de que precisava do emprego e voltou para o carro, pediu perdão e continuou a trabalhar para a distinta senhora. Conversa! Ele seguiu firme pela avenida e nunca olhou para trás. Perseverança! Amanhã tem uma exposição dos seus quadros. Estão todos convidados.

8 comentários:

Anônimo disse...

como sempre, adorei, o final me surpreendeu e fiquei querendo saber se acaba aí mesmo...

bjooooooo bek!!!!

te adoro!

Ananda disse...

e tnt gente vive assim..
mas a mulher ainda quer ele de volta no trab?

ameei!

Mauricio L.H.P. Angeluti disse...

*torcendo por ele*

Amei *-*


Uma correção: lei aurora = lei Áurea

Caio M. Ribeiro disse...

Ele devia ter morrido no final.

Não que isso fosse afetar a exposição, de manêra arguma.

Marcelo Mesquita disse...

Engraçado.. parece com as coisas do airton monte. mto bom

Marcelo Mesquita disse...

Eu gosto muiot de ler blogs, fico fuçando na net lendo blogs... por isso acho q encontrei o seu assim por acaso e adorei... ótimo blog, belíssimos textos!!!

Unknown disse...

Adorei o texto.

E ele sonha demais. Mas eu faço o mesmo, então não posso condena-lo.

E vc escreve demais!

=*******

David Herculano disse...

Merecia ele ter mandado-a pra puta que pariu.

Adorei.

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