quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Queria ser peristáltica

Gostaria de, vez ou outra, permitir-se certas peristaltices.
Passar a noite em branco, catando todas as conchas que encontrar em seus desejos.
Cantar as notas mais altas, das copas mais verdes, dos sonhos mais doces.
Nadar rua afora, pintar as paredes de amarelo, mastigar os dedos atrevidos.
E, com todo o corpo, sentir os movimentos de suas vontades
tornando-se manhã e tarde e noite e amanhecendo outra vez.
Permitir-se, vez ou outra, certas peristaltices.
Era só o que queria.

Nem seria necessário compreender o movimento do mundo
ou sobreviver à violência, ou às suas doenças,
ou mesmo realizar seus grandes feitos, ou os pequenos.
Queria, antes de tudo, antes do fim do mundo, antes de cuidar das plantas,
antes de vacinar os cachorros, antes de ver o sol, antes mesmo de deitar no mar,
antes de nascer até.
Ser peristáltica. Lindamente. Simplesmente. Peristalticamente.
Como o seu coração, seu sono, seu amor, sua vontade, seu organismo e todos
todos

todos os órgãos ocos de seu corpo pequeno, amarelo e incontido.

Agir o impulso de não permitir que lhe obstruíssem a vida.
Permirtir-se o movimento de desentupir-se dos outros.

Um comentário:

Fernando de Souza disse...

O poema é um ensaio de realidade pra qual o mundo não é pronto, e a gente não é mundo.
A gente é universo.
Parabéns desde sempre, CDF.

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