segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Cinco e quinze da tarde.

Cinco e quinze da tarde, por aí assim, já vinham os latidos tão pontuais; era só esperar um pouco, olhando sempre para a esquina com a Y; aquela ali da igreja evangélica; aquela rua com nome de gente que ninguém nunca lembrava qual que era. Não custava muito. Também não era das melhores ocupações, mas, a essa hora, havia o futebol na rua da frente e o carimba logo pertinho das meninas que nunca decidiam do que brincar e só faziam algazarra. Cinco e quinze era aquela hora nem quente nem fria, nem clara nem escura, que trazia os pernilongos para dentro das casas, desavisadas, de janelas abertas. Aquele momento que expulsava as senhoras tricotadeiras – tricotando toalhinhas e informações – de dentro de suas casas. O momento que não existia sem a gritaria nas ruas em “T”: a X e a W.

Sabe aquela hora que, sem combinar, todos os sons mais de bairro se juntam na rua pra esperar a hora de entrar? Era a Cinco-e-quinze-da-tarde. Hora boa. Hora dos latidos vindos da Y, quase dobrando à esquina da igreja evangélica e furando a X com focinhos nervosos em cabeças grudadas a corpos levados por patas frenéticas. Tudo contido por coleiras e correias coloridas. Eram 6 coleiras coloridas e todos já reconheciam os cachorros pela cor da sua coleira. E todos levavam a própria diversão adiante já esperando que, da esquina, explodissem cães, no ápice do crescendo de uma música.

Aqueles adolescentes já metidos a adultos ajuntavam-se naquela calçada da casa-mansão, riam-se e conversavam; também já esperavam pela hora dos cachorros, que não tardava: cinco e quinze já e os latidos animados vinham perto. Até o sol, que a essa altura já ia cansado pelas beiras do dia, meio caindo para o lado, com os raios dobrados, quase se recolhendo. Mesmo ele aguardava a aparição dos rabinhos loucos, abanando o ar. E aquela lua crescente que, desde as 3 da tarde, vinha espiando o lugar, escondidinha, camuflada sem êxito, ia descamuflando ali pela outra beira do dia, já vanguardeando a noite que preguiçava em chegar; também olhava, displicente, a esquina da igreja evangélica e esquecia de escurecer o dia.

Vez ou outra, um carro passava bem no meio da Cinco e quinze da tarde, só para quebrar o mau-costume de já esperar os cachorros; passava querendo ser rápido, sem conseguir, e buzinando, sem assustar. As velhinhas continuavam seu tricô, tecendo longas toalhas sobre o movimento da rua e sobre a filha mais nova do Seu Agenor da Dona Josefa, que, coitada, foi enganada pelo namorado e agora estava grávida e sozinha. Enganada nada! De vez em quando, uma mais espevitada soltava agulhadas na honra da moça inocente que se entregou ao amor. Tadinha dela! Outra já vinha em defesa, e a toalha ia longe. Só era preciso um descuido no ponto e o tricô saía desandado a falações não-cristãs. Aquele rapazote que chutava pro gol, agora. Todas olhavam e falavam. Era um menino tãobom-tãobom, mas começou a sair com o neto da Dona Maninha viúva do Brigadeiro Alonso, que ela não saiba (!), mas era uma péssima companhia. Agora, então, que já era de maior... ih! O tricô já dava pra cobrir uma mesa de 12 lugares, tocando o chão.

Gol, às vezes saía, mas não tão pontual e certeiro assim; mais fácil bolada do carimba, ou escapadela de uma e outra bola forte, lá pra cima das meninas-que-nada-faziam. Zup! Ai! Presta atenção, tem gente aqui! Eita que a briga estava armada, mas aqueles lá, às vezes meninos e meninas, da bola nem ligavam p´ras frescuras das meninas, daquelas que não sabiam o que fazer. E a bola ia girar, voar, bater, quicar, cair. Até a chegada dos cachorros e depois. Nem durava muito, os latidos já tão próximos e Cinco e quinze da tarde já estava passando. Lá vinham os cachorros, dobrando a esquina e já entrando na X. E uma babá de cachorros sendo levada para passear. Mas aí, já eram cinco e dezesseis da tarde e, parece, que a lua já estava satisfeita e o sol já pensava em se retirar mesmo, de cansado. Não tardava tanto e era já hora de entrar. Tomar banho. Sair outra vez. E esperar a hora de dormir.

11 comentários:

Anônimo disse...

eu amei a crônica ficou linda merece um preiu u prêmiu Nobel de literatura
daqui a pouco nem vai mais notar para nós reles mortais.

David Herculano disse...

É da tua crônica? Se for, já quero ler.
Genial, viu? Imaginei aquela tua ruazinha. Imaginei tudo, aliás. Só teve uma ou duas palavras que fiquie na dúvida (mas acho que é mais culpa da minha falta de vocabulário)
Enfim, massa. Adorei.

Unknown disse...

Isso me lembrou minha antiga rua... O futebol na rua, as mulheres na calçada...


Pena que nem todos tenham mais isso...


E Bek, vc escreve cada vez melhor...

Anônimo disse...

Hauahuahuahua... Pow, precisão cirúrgica!

;****
Muito bom. Vai mandar pro Jornal? Acho que ia ser massa!

;****

Alexandre-Henri disse...

Muito bom. Vai mandar pro Jornal? Acho que ia ser massa! [2]

xD

E esse pegaria primeiro lugar =P
Alias, reclamou do seu outro conto?

=***

Anônimo disse...

particularmente eu adoro as 5 e quinze!
eh a hora eu saio de csa pra chegar a tempo de ver o por do sol no espigao da beira mar!

=*********~~~

lembro-ti!

Anônimo disse...

Parabéns, Rebbeca! Você, em pouco menos de 60 segundos, ou melhor, das 17:15 às 17:16, transporta o leitor para esse mundo chamado "bairro" - por sinal tão densamente povoado, tão uniformemente preenchido, que, quando damos conta, somos atravessado por ele. Ele é pequeno por fora (espacialmente falando) mas rico de humanidade e coisas: os adolescentes, os cães, que percorrem o velho traçado pontualmente, o sol e a lua, a qual se insinua. Transpassados somos pelo mundo das alcoviteiras: em segundos, somos envolvidos por suas "impressões" acerca da vida alheia! A lua então chega, e essa tarde, tão nossa, tão brasileira, vai-se se embora! Uma tarde tão típica de Jacarepaguá.

Juliana Tussi disse...

muito boum teu conto !!! a narrativa está ótima ... dá quase para ouvir os latidos e sentir o sol se escondendo no final de tarde ...
amei teu estilo

bjus juliana

Normy Malk disse...

A simplicidade de apenas um horário... A simplicidade de mais um desses bairros que ficam largados ai pelo mundo.
E a vida cotidiana de tantas pessoas tão iguais que fica difícil não ver a mim ou a você nelas, por que a vida de todo mundo é assim, a rotina quase imperceptivel, mas que, sem ela, acabamos não perdendo o que faz das nossas vidas, nossas vidas.

Anônimo disse...

Adorei, mana!
Aliás, como sempre!
É como se o tempo desse uma diminuida no ritmo nessa hora pra acontecer mais coisas no pequeno período descrito. Aliás, adoro o jeito que você usa as palavras... principalmente a parte do tricô, achei genial!
Parabéns!!!

Anônimo disse...

Agora sim!!!!! :D

É bem assim que acontece mesmo... e o futebol sempre atrai a atenção :D

E eu gosto de cachorro... e já usei blusa de tricô O.o ...

E vc resumiu minha pré-adolescência nesse texto *-*

Te amo e te adoro!

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